sábado, 5 de março de 2011

LILITH (conto)



“Porque antes de Eva foi Lilith, lê-se num texto hebraico (...). Lilith era uma serpente, foi a primeira esposa de Adão e lhe deu filhos resplandecentes e filhas radiantes” ( O Livro Dos Seres Imaginários – J. L. Borges)

- Fitem meus olhos... fitem minha boca...fitem meu corpo!
E mostrava olhos dilatados de desejos, boca salivando entre dentes minúsculos e língua ágil. Manejando os quadris com luxúria, desabotoava o vestido vermelho, libertando seios brancos e opulentos. Podia-se ouvir a respiração acelerada dos que assistiam à exibição.
Num canto, por trás das cortinas de seda transparentes, dois homens negros tocavam instrumentos medievais e cantavam mantras numa língua desconhecida. A moça bamboleava o corpo como uma serpente de encantamento, jogando os longos cabelos em todas as direções. Eles pareciam ter vida própria como as cobras de Medusa. Dançava em movimentos lentos, ancestrais, quase mágicos.
O publico, homens de todas as idades, gritavam hipnotizados ou se entreolhavam querendo saber quem era a dançarina. A moça, como em transe, dançava alheia a tudo ou a todos, rodopiando nos acordes mais ritmados, contorcendo-se freneticamente. Murmúrios corriam entre a fumaça dos cigarros que enublavam o recinto escuro e sufocante. Todos ali haviam ganhado convites para o espetáculo e mesmo perguntando-se quem era aquela mulher misteriosa, pouco se importavam alheios agora, ao mundo lá fora.
Os dois músicos, companheiros da moça, pareciam preocupados:
-Ela está muito fraca... Não sei aguentará até o momento certo! Disse um dos músicos. E os dois aceleram a música fazendo a moça dançar mais freneticamente, até cair esparramando os cabelos negros no chão áspero. Suspense, os homens se olham sem entender. Um dos músicos leva uma garrafinha azul cravejada de pedras brilhantes, que ao abrir exala um perfume estranho com cheiro de passado. A moça aspira e lentamente levanta-se. Os movimentos são de uma cobra rastejante, levando-se e bamboleando sensualmente os quadris como que despertando de um sono restaurador. Alívio na plateia.
De uma brancura anormal, o corpo da dançarina parecia transparente. Desceu ao público. Enlouquecidos, os homens socavam-se uns aos outros procurando tocá-la. Ela desvencilhava-se com agilidade, deixando-os mais excitados.
- Vocês me querem? ....Querem tocar minha pele de avelã... meus seios de jasmim... meu hálito doce como o mel que corre na terra prometida? Então venham, venham a mim!
Em bandos, eles se atiravam. Um a um eram selecionados e entregues à moça, que os agarrando pelos cabelos, beijava-os voluptuosamente arrancando-lhes a língua e sugando o sangue que escorria borbulhante. Aos poucos o recinto foi ficando repleto de corpos jogados a esmo.
Muito mais tarde, nuvens pesadas formando-se para desaguar, relâmpagos e trovões cortando o céu escuro, a moça é carregada pelos músicos e posta num carro negro puxado por cavalos enfeitados com flores brancas como a lua. Adormecida, Lilith, a Serpente, estaria alimentada até outro espetáculo. Partia saciada, rumo talvez ao mar vermelho, ao encontro dos demônios e espíritos da noite, seus companheiros.

(do livro “O Plantador de Ossos” -1991, Menção Honrosa da UBE – Academia Brasileira de Escritores, RJ)

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