sábado, 23 de abril de 2011

TRAIÇÃO, DIVINA TRAIÇÃO (conto)


A noite está escura, gelada e dói no meu peito. É uma dor suave que escorrega pela minha alma como uma carícia de mãos frias. Hoje eu o vi com ela. Deve ser uns quinze anos mais nova que eu e o que mais doeu foi me reconhecer naquele sorriso fácil de mulher jovem. Eu era como ela, ardente, sensual, viva. Onde será que sepultei minha juventude? Nesse casamento de quase vinte anos?

Hoje eu o vi com ela e pensei nas quantas bocas deixei de beijar, nos quantos corpos que deixei de tocar ou nas milhares de fantasias que deixei de realizar com os muitos homens que desejei. Estranho o que se faz por medo de perder. Eu o amava e não queria acabar com o meu casamento! Quanta ironia. Deixei que meu corpo ficasse flácido e meu brilho apagasse para não ceder as tantas tentações que o mundo me oferecia. Eu vi seus olhos de desejos, os mesmos olhos que me lambiam antes da sua língua... Que agora lambe a moça jovem. Como dói! Dói e eu tento suavizar intelectualizando: Ah, mas é comigo que ele dorme todas as noites... Dorme sonhando com os seios brancos e sedosos da moça jovem! Quantas noites deve ter me acariciado pensando na moça e no seu corpo que cheira a sexo. E nas vezes que descarregou seu sêmen nas minhas entranhas desejando estar dentro da moça... Eu o odeio! E odeio mais a mim mesma por ter me privado da vida.

As horas correm soltas, voando como o vento que gela meu corpo. Angustia que aperta o peito e não sei o que fazer com ela. Que rumo dar a minha vida? Eles pareciam tão felizes... Lembrava a nós mesmos, anos atrás. Ele me acariciava e dizia que eu era bonita, que me amava. Será que me procura novamente numa mulher mais jovem? A gente muda tanto quando envelhece. Antes eu era alegre, risonha. Quanto tempo que não rio escancarado? Riso que vem das entranhas, riso de verdade.

- Ainda acordada, meu bem? O que você faz sentada no escuro? - Tão absorvida em meus pensamentos que nem o vi entrar. A voz dele me assusta. Joga as chaves do carro dentro do cinzeiro e fico escutando o eco do som das chaves encontrando o vidro do cinzeiro transparente, de cristal caro, presente de algum aniversário de casamento com certeza. Com o que será que ele presenteia a moça? Perfumes, jóias, sedas? Os homens são tão sem imaginação...

- O que pensa essa cabecinha linda? - Pergunta ele enquanto acaricia meus cabelos e me beija na testa. Eu queria era um beijo de língua, sufocante e ardente como os que ele deve dar na moça! Ele senta ao meu lado e ainda posso sentir o cheiro de perfume adocicado e caro, o perfume dela impregnado no seu corpo.
- Nada. Não penso em nada! Não vivo nada, não sou nada! - Ele me olha surpreso. Recolhe o abraço e se afasta.
- O que houve? Está com raiva de mim? - Pergunta irritado. E o que respondo agora? Que eu o vi com uma mulher num barzinho de beira mar? E o que aconteceria depois? Estou preparada para largar esse homem e buscar a vida e o prazer no mundo lá fora?
- Não, querido. É só um pouco de dor de cabeça. Passa logo. Quer que eu esquente o jantar? - Forço um sorriso e me levanto para não sentir o cheiro da moça no corpo dele. - Deixei frango no forno, você quer que eu esquente? - Tudo é tão banal, nossa conversa, nossa proximidade...
- Não, já jantei... com uns amigos. - Levanta-se e sai em direção ao quarto desabotoando a camisa e cantarolando música de FM. Deve ser música de motel, penso enquanto o vejo sumir no corredor escuro. O que fazer? Não sei mais viver sem esse casamento, parece emprego antigo, tenho medo de mudar e ser pior, perder a estabilidade, a segurança. Que segurança? Ele pode me largar a qualquer momento para ir viver seu prazer. E o que digo agora? Que o vi com outra? Será que vai adiantar? Ele vai negar e eu vou acreditar porque preciso acreditar.
- Amor, vem cá! - Escuto sua voz gritando do banheiro e tenho vontade de lhe mandar pra merda.
- Sim, querido? - Chego até a porta do quarto. As roupas estão jogadas no chão. Calça, camisa, cueca se amontoam. Será que ele fez assim no motel? Deixou as roupas jogadas depois de retira-las apressado e ofegante? Imagino cenas dele com a moça rolando entre desejos e sussurros, machucando ainda mais meu peito.
- Me dê uma toalha nova, sabe que odeio toalhas molhadas! - Entrego-lhe uma toalha branca. As toalhas de motel também são brancas, penso perversamente.
- Acho que vou viajar no final de semana à serviço. O diretor do banco me quer fiscalizando umas obras no interior. É uma viagem chata. Tá quente por lá... - E fica falando como que se desculpando por não me convidar. Sei que viajará com ela para alguma pousada da beira de praia, onde tostarão ao sol e farão sexo melados de areia.
- São coisas da profissão, querido. Quer que eu arrume sua mala?
- Não, pode deixar que eu mesmo arrumo.

Na certa não quer que eu veja as roupas leves que vai colocar na bolsa de viagem. Deita na cama ainda enrolado na toalha e pouco depois começa a roncar. Retiro a toalha de cima do seu corpo e penso que vejo marcas de unhas na sua barriga e coxas. Viro o rosto enquanto as lagrimas finalmente descem por meu rosto cansado. Deito-me ao seu lado sentindo seu hálito que cheira a bebida, enojada e resignada. Será mais um final de semana sozinha, brigando com os filhos adolescentes e limpando armários e gavetas.

(do livro “As Várias Maneiras de Amar” – contos - 1999, Fortaleza/Ce)

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