sexta-feira, 22 de abril de 2011

OS VISITANTES DA NOITE


Não compreendia o que via: homens pequenos, peludos como animais selvagens, dançando macabramente, exibindo dentes pontiagudos e órgãos sexuais erectos. Era amedrontador. Sons exóticos de tambores que pareciam pulsar do coração embalavam seu corpo e um vento frio fazia crepitar o fogo de uma faiscante fogueira perto de onde estava deitada. No alto, sobre sua cabeça, olha horrorizada para um ser terrível com duas faces diferentes, uma feminina outra masculina que se confundem em constantes mutações, por momentos monstruosamente feias, noutros angelicalmente belas. O ser lhe acaricia o corpo de forma sensual.

A cabeça rodava e ela não tinha a menor idéia de onde se encontrava ou como chegara até ali. Sentia-se sonolenta e ao mesmo tempo excitada, o calor do fogo próximo, a música, o cheiro de ervas doces queimando. Tudo eram extremamente irreal e real ao mesmo tempo.

Algumas mulheres nuas, de peles muito brancas, cheirando a ervas e suor, desenhavam alguns símbolos no seu corpo com uma substância pegajosa, que logo depois foi derramada sobre ventre e escorreram por entre suas pernas. Um arrepio profundo, de prazer, provocou-lhe gemidos enquanto os homenzinhos e mulheres de seios despidos lambiam o líquido esparramado sobre seu ventre e sexo com línguas ásperas e ágeis. Envolta na sensualidade do momento, não percebeu quando o ser de faces diferentes deitou-se sobre ela, penetrando-a com violência, arranhando e rasgando-lhe as carnes...

Os gritos da mãe chamando-a, lhe despertaram. Sentia-se cansada, deprimida, parecia mesmo que se encontrava doente de tão dolorido que o corpo estava. Havia sonhado com algo que não conseguia se lembrar, e isso a deprimia. Levantou-se devagar, apoiando-se nas paredes e entrou na cozinha. O cheiro do café fresco naseou-a.

A mãe resmungava baixinho enquanto cortava legumes e carne para o almoço. Estava velha, muito mais velha que sua idade. As mãos mais pareciam garras de tão secas e enrugadas. Sentiu pena da mãe. Moravam tão distantes da civilização, que às vezes duvidava da existência de mais pessoas no mundo, senão ela, a mãe e os dois irmãos.

- Está doente? Parece tão abatida... - Pergunta a mãe.
- Não estou me sentindo muito bem. Faz um chá de hortelã pra mim, mãe.
A velha olhou a filha com inquietação. Alguma coisa estranha havia acontecido. Podia sentir isso nas vibrações no ar, no rosto pálido da moça, no estranho nevoeiro que havia tomado conta da casa na noite passada.
- Não dormiu bem? O que houve essa noite? – Insistiu a velha.
- Não sei... não me lembro. Sonhei com qualquer coisa que não consigo lembrar. Só sei que meu corpo está doído e a cabeça parece que vai arrebentar!
- O nevoeiro... Você viu? Nunca vi nevoeiro nessa época do ano. E esses arranhões nas tuas pernas e braços?
- Não entendo. Ontem quando me deitei não havia essas marca! – Disse a moça olhando para seus braços onde vergões vermelhos, como garras apareciam de cima a baixo. A mãe benzeu-se. A voz tremeu e saiu baixa quando falou:
- De certo foi raptada por um íncubo.
- Os anjos do diabo? Deus-me acuda, mãe!
- Por via das dúvidas corra, vá se lavar. Ande, menina vai tirar essa roupa para ser queimada! Vou preparar um banho com ervas Cordão de São João, que é para você não ficar mulher do príncipe maligno!

A velha colocou para cozinhar, numa grande panela de ferro enegrecida pelos anos de uso, ervas de cheiro. Naquela região longíngua, árida, onde os ventos uivavam amedrontando os que dormiam, as coisas mais estranhas aconteciam sem levantar maiores admirações. A própria vida era estranha, com a solidão das pedras que tomavam toda a extensão do lugar, até onde os olhos e as pernas agüentassem ver ou andar.

Suspirando, ajudou a filha a banhar-se. Mais uma se tornaria mulher dos seres da noite, sabia que de pouco valeriam as ervas. Suavizariam os ferimentos, mais nada. Suspirou novamente enquanto ateava fogo nas vestes da moça e lembrava-se de antigas imagens com seres selvagens e estranhos lhe visitando em noites de nevoeiros. (do livro “O Plantador de Ossos” -1991, Menção Honrosa da UBE – Academia Brasileira de Escritores, RJ)

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