sexta-feira, 22 de abril de 2011

OS OLHOS DA SERPENTE


Olhou a forma que se banhava no mar escuro. Golfinho branco em pulos acrobáticos, pensou. Mas quando a forma saiu da água torcendo longos cabelos, percebeu que era uma mulher. Caminhava devagar, coxa esfregando uma na outra sensualmente, penteando fios de cabelos em desalinho com os dedos. Meio encoberta pelas sombras fosforescentes da lua deitou-se na areia clara e começou a mexer o corpo de tal maneira que parecia uma roldana em movimentos circulares, numa estranha dança horizontal.

Procurou permanecer o mais escondido possível, evitando ser percebido pela estranha mulher. Por alguns segundos, no entanto, como pressentindo algo, ela virou-se na direção das pedras onde ele se achava e seus olhos brilharam de maneira anormal com a luz do luar refletida nelas. Eram de um lilás esbranquiçado, e faiscavam como fogo. Teve medo e encolheu-se ainda mais, até sentir o corpo doer pelo desconforto da posição e a aspereza das pedras.

Com um movimento brusco, ela levantou-se e correu de volta ao mar, deixando pegadas na areia molhada. Nadou por algum tempo, mergulhando e reaparecendo logo depois. Em dada momento mergulhou e não mais veio à tona. Esperou ansioso, tenso, a misteriosa mulher, por quase meia hora. Saiu do esconderijo com a certeza de que ela não mais retornaria. Um estranho aperto na alma, como uma saudade amargurada, apossou-se-lhe do corpo. Queria a todo custo rever aquela mulher.

Por uma semana ficou nas pedras da praia, esperando-a. E finalmente, sete dias da primeira aparição, ela retornou. Os mesmo movimentos, gestos, um ritual ensaiando, pensou ele. E sem mais poder se conter, resolveu aproximar-se.

Saiu das pedras devagar, caminhando com suavidade para não assustá-la. Tocou-a gentilmente, temendo que fosse dissolver-se, miragem perdida na escuridão, nascida de seu inconsciente. Ela, porém, não pareceu surpresa com a sua presença. Aceitou-o calmamente como se há muito o esperasse. Não trocaram uma palavra. Amaram-se em silêncio, perdendo-se ele nos olhos lilases esbranquiçados, como se uma outra dimensão o tragasse. Ela movia-se ondulante, envolvendo-o com pernas e braços estranhamente alongados.

Quando finalmente explodiu em orgasmos, pensou: “vou partir-me em mil pedaços!”. Deixou-se ficar sobre o corpo da mulher misteriosa, sentindo a textura da pele misturada a um cheiro salino. Ela moveu-se inquieta, levantou-se, acenou-lhe e retornou as águas fundas de onde emergira.

Não mais a viu. Meses esperou em vão. Noites solitárias, olhando a imensidão escura das águas do mar. O dia geralmente encontrava-o sentado sobre as pedras ásperas, chorando quase enlouquecido, lembrando-se de uns olhos lilases esbranquiçados. Uma manhã, depois de mais uma noite de espera, um amigo lhe fez sinal. Aproximou-se e sorridente como uma criança que acabara de fazer uma travessura, para mostra-lhe algo entre as pedras. Era a forma longa, rosada de uma serpente enorme, do tamanho de uma pessoa.

- Deus, veja que olhos estranhos! – gritou o amigo.

Lilases, porém, opacos pela morte, os olhos da serpente o chocaram. Lembravam-no de outros olhos que cintilavam refletindo a luz da noite. Num impulso, agarrou o corpo pegajoso e mole do réptil e lançou-se ao mar. Abraçados afundaram nas águas mornamente envolventes.

(do livro “O Plantador de Ossos” -1991, Menção Honrosa da UBE – Academia Brasileira de Escritores, RJ)

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