sexta-feira, 22 de abril de 2011

DJINS


“Alá, segundo a tradição islâmica, fez os anjos de luz, os djins de fogo e os homens de pó. Há quem afirma que a matéria dos segundos é um fogo escuro e sem fumaça.” - ( O Livro dos Seres Imaginários – J.L.Borges)

Os campos sumiram. Escuridão completa. Impressão de se estar a muitos metros abaixo da terra, numa espécie de dimensão por onde se podia caminhar sem tocar em nada. Nem paredes, nem teto, nada, vazio completo talvez como a própria morte. Apenas um cheiro úmido de terra molhada e uma escuridão quase que total. Procurou acostumar os olhos ao escuro para descobrir onde estava.
Mas tudo continuava tão estranhamente desmanchava-se ao menor toque da mão. Estava quase para gritar quando uma estranha forma surgiu. Era tão irreal quanto o próprio momento que vivia. Transparente, parecendo um corpo humano dissolvendo-se numa nuvem brilhante, apenas os olhos, como fogo, brilhavam irônicos.
- Quem é você? – Perguntou aflita. Não houve resposta. A forma continuava imóvel, olhando-a como uma esfinge. Por mais que se esforçasse não conseguia lembrar-se de como fora parar naquele lugar. A última coisa que recordava era que estava na janela do seu quarto repleto de bonecas coloridas, as bonecas que tanto amava, companheiras de uma vida, presentes de muitas datas boas. Gostava de ficar olhando as sombras que a noite tecia junto às árvores, brincando de ver fantasmas entre as formas que as manchas produziam.
- Sou um djim – respondeu finalmente o ser.
Um arripio vindo da alma subiu-lhe o corpo. Havia sido raptada por um djim. Sentiu-se perdida. Lembrou-se das inúmeras estórias que ouvia da avó ainda criança, embalando-se em redes armadas no alpendre da casa, quando a velha numa voz arrastada contava as mais horripilantes descrições sobre esses seres, gênios do fogo, protetores dos feiticeiros e bruxas. Segundo a velha avó, os djins costumavam raptar seres humanos para se alimentarem de suas energias, sugando-as ate o corpo virar pó e a Essência Divina transformar-se num deles, que acasalados viveriam eternidade. Nunca acreditara muito nas lendas, até aquele momento.
Tentou correr, fugir daquele lugar, voltar para seu quarto, suas bonecas. Tudo se dissolvia ao menor toque. Parecia não haver nem entrada nem saida. Por fim, cansada, caíu de joelhos e ficou orando pedindo proteção para sua alma. Entre as lágrimas que lhe banhavam rosto viu a forma etérea movendo-se em sua direção e envolvê-la num abraço transparente. Sentiu-se fraca tonta, com as forças vitais exalando-se.
O djim murmurava palavras num dialeto não compreensível e as últimas lembranças de um campo dourado de milhos desabrochando, do cheiro doce de terra, do sol levando o dia à espera da noite, pouco a pouco sumiram para dar lugar a uma escuridão sem visão ou lembranças.
(do livro “O Plantador de Ossos” -1991, Menção Honrosa da UBE – Academia Brasileira de Escritores, RJ)

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