sábado, 23 de abril de 2011

MEDO DA SOLIDÃO



Ela tocava seu rosto sem acreditar no que via. Rugas suaves, poros dilatados, pele áspera. O espelho parecia um maldito quadro da verdade. Pegou algumas fotografias antigas, onde se retratava alegre, brejeira, fazendo poses sensuais e brincalhonas. Como era estranha a velhice. Não fazia muito era jovem, bonita, desejada. E agora estava perdendo seu poder de escolha. Se antes escolhia seus homens, agora teria que mendigar atenção. Estava ficando invisível para os homens.

Tirou toda a roupa e viu um corpo flácido, cheio de celulites que não parecia em nada com seu antigo corpo, ou pelo menos com o corpo que guardava na memória. Sentiu um frio estranho, de medo e questionamentos. Como era ser uma velha? Como será viver sem chamar atenção dos homens? Nunca aprendera a se amar de verdade. Sempre medira seu valor através do olhar de admiração e desejo dos homens e de inveja das mulheres. E o tempo correu rápido, sem notar estava na meia-idade, com quarenta e cinco anos, dez de descasada e um filho quase adulto.

Teve muitos amores depois do casamento. Alguns importantes, outros nem tanto. Mas todos bons. Alimentava-se de amor como borboletas vagando entre cores e néctar. A qualidade nunca foi importante, o que queria mesmo era mostrar ao mundo que não estava só. Solidão significava abandono, rejeição, e isso não suportava. Nunca teve uma profissão, primeiro porque casou cedo, quase uma adolescente, e o marido não queria vê-la fora de casa. Depois, porque a pensão do ex-marido lhe permitia viver confortavelmente. Uma pensão generosa, fruto talvez do arrependimento por tê-la abandonado pela balconista de peito grandes da sua loja de ferragens. Mas isso era coisa do passado, que não tinha mais sentido ficar lembrando. Na época, quase morreu de dor pela traição do marido, depois ficou até feliz por pode deitar-se com qualquer um que lhe agradasse.

No momento vivia uma relação com um homem bem mais velho e casado. Não tinha preconceitos. Se uma vagabunda qualquer lhe roubou o marido, por que ter vergonha de namorar o marido de outra? Queria mesmo era ter um corpo quente para esquentar o seu e um nome para falar para as amigas. Mauro, o namorado, era gordo e ciumento. Visitava-lhe dois dias na semana, e lhe trazia chocolates ou pequenos presentes, uma correntinha dourada, uma blusa, um brinco. Mas adorava mesmo era lhe dar chocolates. E ela já estava até ficando parecida com ele: gorda e flácida. Será que era de propósito? Não importava. Gostava muito de comer os chocolates, e os devorava em minutos.

Ela era assim mesmo, moldava-se aos homens, sem importa-se com nada. Nunca dizia não. Achava que se negasse algo perderia seu homem. Sua avó, sua mãe, suas tias, todas foram passivas, e ela também o era. A mãe casara também cedo, com um viuvo trinta anos mais velho. Viveu com medo desse marido autoritário e velho, que tinha muito ciúmes e gritava por qualquer coisa. Quando o pai morreu, ela era uma adolescente tímida e bonita, que casou aos dezesseis anos com o filho do dono da mercearia da esquina. Foi fiel, apesar das muitas tentações a sua volta, durante todo seu casamento. Não entendeu nunca porque o marido havia lhe deixado. Sempre fora tão companheira, tão servil. Até propôs ignorar o caso do marido, para ele não sair de casa. O problema foi que a moça de peitos grandes não aceitou ser a outra, e ele se foi. Daí por diante procurou desesperadamente um substituto para o ex-marido, encontrando somente um bando de homens famintos por sexo e egoístas.

Está tão absorvida nos seus pensamentos e na carícia gostosa do vento que entra pela janela aberta e bate suave no seu corpo, que não nota quando Mauro entra na sala e fica surpreso ao vê-la nua, no meio das roupas espalhadas, cremes e espelhos de tamanhos diversos.

- Que diabos é isso? Endoidou de vez, é?! - pergunta quase gritando. Ela apenas olha o homem suado, nervoso, com a enorme barriga escorrendo das calças e da camisa desalinhada. Tem vontade de ri da figura desajeitada de Mauro, enquanto pensa pela milésima vez, o que fazia aquele homem na sua vida.
- Estou lhe esperando, amor! Já jantou?

(do livro “As Várias Maneiras de Amar” – contos - 1999, Fortaleza/Ce)

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