quinta-feira, 28 de abril de 2011

A PRINCESA DE ÉBOLI – MOMENTOS FINAIS

Pastrana, janeiro de 1590, reinado de Felipe II da Espanha.
Meu querido Antônio,
Estou sendo encerrada na torre do meu palácio em Pastrana. Escrevo e ouço o barulho dos guardas reais fechando à porta que dá acesso a escada do salão principal. Estou presa na ala da torre. Pouco a pouco uma escuridão lúgrume e sufocante toma conta do recinto onde estou. É apavorante. Escrevo para manter minha sanidade, para não esquecer quem sou!
Sou Ana de Mendoza - herdeira única de uma das mais prestigiadas e poderosas casas da nobreza espanhola! Sou a princesa de Eboli do condado de Pastrana. No correr desta noite, neste quarto vazio, acompanhada de minha filha mais nova e a saudade de ti, sinto um torpor na alma e o enrugar da idade, que começa a pesar no meu corpo. As horas correm impiedosas, e não me dão mais o tempo. Penso apenas em morrer.
Sinto falta principalmente dos teus olhos, meu amado Antônio. Dizem os cabalistas que para cada tipo de erro há uma fórmula particular para reparar tal erro. A minha formula foi te deixar livre para seguir com tua vida. Libertando-te, libertei minha alma porque tu a levastes contigo. A liberdade de opção me foi negada, presa injustamente, sinto-me feliz em saber que tu conseguiste escapar daquela fétida prisão e dos malditos inquisidores.
Conseguirei ficar viva se souber que me amas. Acreditarei que ainda existe vida se me escreveres dizendo do seu amor por mim! Acreditarei ainda mais, se em suas cartas me falares da tua saudade, da falta que sentes de nossas noites de entrega. Se tu, meu Antônio, me escreveres me sentirei contigo. Sentirei e compartilharei da tua tristeza, sentindo-a no meu próprio corpo. Se me contares das tuas dores, eu saberei que ainda estais comigo e o peso dessa prisão será menor.
Pensar em ti liberta-me. Sinto que meus pensamentos tem uma força que acalenta meu coração, invocando lembranças de um passado recente, cheio de emoções. Eles possuem a capacidade de cruzarem os mares, atravessarem as montanhas, correrem pelas estradas em tua procura.
Pensar em ti faz o tempo voltar para quando o tempo não tinha tempo e éramos só nós dois. E faz tão pouco tempo que ainda sinto suas mãos tocando meu corpo cheias de desejos. Quando descobriram nosso amor, o tempo deixou de ser tempo e passou a ser saudade, restaram apenas às lembranças de nossos encontros, conversas sem fim permeadas de beijos e paixão.
Escrevendo-te agora, embora sabendo que jamais receberá esta carta, sinto o tempo dar saltos entre o passado feliz e o medo do futuro. Já não tenho esperanças, sei que morrerei nessa torre. Por isso, deixo que o tempo passe alimentando minhas ilusões e meus sonhos de tê-lo novamente comigo, e assim, poder novamente gargalhar diante das tuas divertidas palavras que só os amantes compreendem. Tenho pressa em escrever para não deixar que o tempo apague minha memoria e tudo que vivemos perca o sentido.
Acordo e sinto o cheiro úmido do nevoeiro lá fora, embora aqui dentro tudo seja tão escuro e abafado. Ouço o despertar do dia pouco a pouco no povoado. Pastrana amanhece. Todos os sons que entram neste quarto faz-me perceber que meu tempo estar findando porque as horas não passam para quem vive no passado. Enrosco-me nas cobertas da cama, que um dia já recebeu meu prazer, sentindo-me segura e isso é tão raro. Estas quatro paredes que me aprisionam também me protegem.
Pastrana sempre foi o meu lugar encantado, o lugar onde serei a eterna princesa, agora encantada e presa entre paredes que um dia foi meu lar. Paredes onde meus segredos foram guardados e revelados. Pastrana me abriga, me protege e me aprisiona. Meu palácio, minha prisão. Paredes que me escondem do mundo e retira meus sonhos que se perderam quando tu foste embora.
Já escrevi dezenas de cartas ao Rei, pedindo perdão por crimes que não cometi. Sonho com este perdão onde poderei me reunir a ti. Mas tudo é em vão. Sei que não terei perdão, porque meu maior crime foi me apaixonar por ti. Este crime meu rei jamais me perdoará, pois assim, o trai como mulher. Trair o amor de um rei é muito mais mortal que uma traição politica. Mas o que posso fazer? Meu amor por ti foi maior que meu senso de praticidade. Como amante do Rei eu tive poderes e privilégios, como tua amante apenas a dor, a humilhação e a prisão. Mas mesmo assim, em nenhum momento me arrependo de ter sido tua!
Devo parar de escrever agora. Meus olhos ardem de choro e escuridão. O silencio lá fora é total. Os guardas acabaram de cimentar a parede, agora meu palácio realmente se tornou uma prisão. Agora sei que minha vida acabou.
NOTA:
Ana de Mendoza (1540-1592), a princesa de Éboli, foi uma mulher dona de uma beleza e inteligência que suscitaram reações apaixonadas na corte de Felipe II, que foram da atração ao repúdio. Usava uma pala no olho direito, cego acidentalmente ainda criança e foi casada com o português Ruy Gomes da Silva (1529-1573), príncipe de Éboli e duque de Pastrana. Após ficar viúva, foi amante do rei, como também de seu astuto secretário Antônio Pérez (1540-1611), e por isso, se viu implicada numa trama política e sentimental que a levou a prisão e morte em seu próprio palácio em 1591. Antonio Pérez fugiu e se salvou, morrendo muitos anos depois na França.

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